sábado, 29 de dezembro de 2012

Sobre a Moral

Moral é a lavagem cerebral da vida, que só serve para compor máscaras. É necessário um filtro no comportamento para que haja sociedade e não apenas caos, porém, a demasiada modelagem da conduta humana forma seres hipócritas e medrosos. Eu sou medrosa – e também hipócrita, mas principalmente medrosa.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Uma noite


Escrevo isso um tanto ébria. Não consigo nem escrever muito bem, as palavras saem tortas como o meu cristalino distorce a realidade. As pessoas dançam ao som de Sheryl Crow dos anos 90. As luzes são apagadas. Ganhei uma bala da Pompéia de alguém que não sei quem é. Mas o fato é que lembrei, ficando cega pela luz da lua, ficando tonta com tanta beleza. Quatro mulheres dançando. “Todo mundo espera alguma coisa do sábado à noite”. Eu quero mesmo escrever fora de mim, mas me chamaram pra dançar e não consigo negar... Cinco mulheres dançando. 
Aposto.

domingo, 11 de novembro de 2012

Calor

Esse calor é uma condição
Que condiciona a alma em corpo quente
Como a fome de um retirante
Que só é o retirante por causa de uma fome.

O cérebro enrugado é enxugado ainda mais
Ideias transbordam em suor concentrado
E a mente, hipotônica e seca, só quer mar.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A Demissão do Pássaro

Ele veio preparando esse terreno já faz um tempo, pois poderia, de verdade, precisar aterrissar nele. Um tanto cambaleante - como quem voa por tanto tempo e, de repente, é mandado parar -, precisou descer de paraquedas e correr. Correr com a papelada, exames médicos e todas aquelas formalidades que mais parecem humilhação. Correr a pé, pois também já lhe tiraram o meio de transporte terrestre, além das asas. Precisou erguer a cabeça para acalmar àqueles que lhe querem bem. Porém, eu percebi que seus olhos estavam mais brilhantes, mais líquidos - ele não queria ter descido de paraquedas! Pensei. Queria mesmo era ter desabado por uns instantes, jogando tudo e todos pro ar. Foda-se essa vida de pássaro, anos e anos atrás de minhocas e agora, por deixar escapar uma, lhe tiram da função. Duvido que existam pássaros mais bem apanhados, com penas mais lubrificadas e com o bico sempre a disposição pra caçar as tais minhocas. Porém, uma cousa é certa: o pássaro já não estava feliz. Acho até que lhe mantinham preso em uma gaiola às vezes. Estava na hora de virar humano outra vez, voltar a ter grandes pulmões e inspirar novamente. 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Je Vous Salue, Sarajevo


De certa forma, o medo é a filha de Deus redimida na noite de sexta-feira. Ela não é bela, zombada, amaldiçoada e renegada por todos. Mas não entenda mal, ela cuida de toda agonia mortal, ela intercede pela humanidade. Pois há uma regra e uma exceção. Cultura é a regra e a arte, a exceção. Todos falam a regra: cigarro, computador, camisetas, televisão, turismo, guerra. Ninguém fala a exceção. Ela não é dita, é escrita: Flaubert, Dostoyevski; é composta: Gershwin, Mozart; é pintada: Cézanne, Vermeer; é filmada: Antonioni, Vigo. Ou é vivida, e se torna a arte de viver: Srebenica, Mostar, Sarajevo. A regra quer a morte da exceção. Então a regra para a Europa Cultural é organizar a morte da arte de viver, que ainda floresce.
Quando chegar a hora de fechar o livro, eu não terei arrependimentos. Eu vi tantos viverem tão mal, e tantos morrerem tão bem.
Jean-Luc Godard

sábado, 20 de outubro de 2012

Sobre textos inacabados


Esqueletos de textos estão espalhados por aqui. Eles me aterrorizam com as suas pseudoexistências,  pois sei que já não vou conseguir tecer o restante de seus corpos. Assim, ficarão esquecidos feito cadáveres. Pensei em mandá-los para a “indústria de ossos” - ou lixeira, como usualmente chamamos -, mas seria cruel demais jogar fora partes que já compuseram um pensamento, seria como descartar um pedaço orgânico da memória, e eu nunca faria isso conscientemente. Mas...Plaft. Aqui vai mais um ossada.

domingo, 22 de julho de 2012

O sexo e o coçar os olhos

Começa com uma vontade repentina. O estímulo que corresponde e dá continuidade ao desejo é, geralmente, o toque das mãos. O movimento circular e rítmico, na posição estratégica, aumenta cada vez mais o prazer concebido pelos dedos. Ai, ai! Chegamos ao paroxismo: a coceira está no mesmo nível da coçada! Sensação de que algo atingiu o meu âmago, de voar entre as nuvens. O pé se contrai, o corpo inteiro endurece - para depois amolecer e relaxar como nunca. O ápice é concentrado de uma realização instantânea, que eu chamaria de "princípio da felicidade". Dura apenas alguns segundos, no máximo um minuto, mas proporciona uma dose longa de bem-estar. 
Findo a coceira, dificilmente consigo controlar as mãos, que não param de coçar: é preciso estabilizar gradativamente o órgão. Mas já não sinto que está bem certo, bem bom. Uma leve ardência piora com o contato dos dedos e do próprio ar. Ah, as consequências... Um olho vermelho para o resto do tempo, lágrimas involuntárias (e alguma não é?) e ponta dos dedos molhadas. Ainda assim, o orgasmo vale a pena.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Aniversário

Comemorações fajutas e periódicas que não coincidem com o estado de espírito servem para demarcar vidas que esperam...esperam para sempre um ponto desse círculo viciante e temporal que é existir em sociedade convencional. Posso não fazer aniversário?
Está certo que é reconfortante, de certa forma, envelhecer dessa maneira mecânica, ao invés de olhar no espelho, algum dia, e deparar-se com um rosto perdido no tempo. Porém, do que adianta periodizar, classificar a vida como se fosse um estilo literário que não ultrapassa a barreira do tempo?
Filosofias a parte, penso que gostaria de rever pessoas queridas reunidas a fim de comemorar algo totalmente abstrato e sem sentido.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

The Chills


Your tongue is sharp
but I miss the taste of it
You said time heals
there's not enough of it
Peter, Bjorn And John


p.s.: música que dá arrepios, literalmente.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

21 de junho


 Estou confusa. Não no sentido que dói a cabeça e rasga neurônios. Não sei se quero muito ou se quero pouco, se preciso de mais ou de menos. Transformei-me naquilo que nunca desejaria ser: realizo uma meta de cada vez, sou pragmática, tenho um foco e depois de atingi-lo já não saberei mais de mim. Tornei-me parte da estrada por onde as vidas ligadas no piloto automático prosseguem, apertadas e competindo entre si. Continuo a dominar a direção e o sentido, mas a trajetória segue em movimento retilíneo uniforme. Até as lombadas já impregnaram no meu solo e nem sinto mais os altos e baixos: parecem todos planos. Se paro a fim de tomar um ar, me deparo com uma curva fechada que muitos enxergam, mas poucos têm tenacidade suficiente para contorná-la. Essa curva mexe muito comigo, mas ainda sim, faço parte dos muitos. 

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Avôs

Fila de banco. Dois senhores com ar distinto, um atrás do outro. Os dois engravatados, respeitabilíssimos. O senhor de trás nota um desenho colorido nas costas da mão do senhor da frente e pergunta: 
– Neto? 
– Neta – diz o outro. 
– Eu também – diz o primeiro, mostrando um desenho nas costas da própria mão. 
– Ela diz que é uma borboleta. Eu não acho nada parecido com uma borboleta, mas vou discutir com ela? 
– A minha insiste que isto é um gato de chapéu, e não quer ouvir o contrário. 
– Não aceitam críticas. 
– No outro dia, eu disse: “Que bonito, você fez uma pintura abstrata...” Ela não quis saber de pintura abstrata. Era um sapo vermelho no meio de um lago azul, eu não estava vendo? 
– Elas ficam bravas. 
– Ficam. Só falta nos chamarem de burros. E quando a gente vai lavar a mão para tirar a tinta? 
– Fazem um escândalo. Estamos destruindo as suas obras de arte. 
– A sua pinta, o seu rosto também? 
– Pinta. Diz que é maquiagem. Há dias eu estava dormindo a sesta e quando acordei estava com o rosto todo pintado. Pó, batom, blush, tudo que ela pega da mãe dela. 
– A minha só usa o batom. Mas passa batom em todo o meu rosto, menos nos lábios. Na ponta do nariz, nas faces... Faz desenhos com batom na minha testa e exige que eu nunca mais lave o rosto. 
– Não é formidável? 
– É fantástico. 
– Vou confessar uma coisa. Eu não sabia o que era a felicidade até o dia em que minha neta desenhou cabelos na minha careca com tinta preta. Foi um escândalo em casa. Mas como, sujando a cabeça do vovô desse jeito?! Ela explicou que era para tapar a careca, para o vovô ficar mais bonito. Botaram ela de castigo, ameaçaram jogar fora as suas tintas, foi uma choradeira só. E eu feliz da vida. Olhe só, ainda tem um resto de tinta aqui... 
– Elas são maravilhosas... 
– Mas depois crescem. 
– Tem isso. Crescem depressa demais. Começam a achar avô chato... 
– Eu me vejo daqui a poucos anos andando atrás da minha e pedindo: “Não quer pintar a mão do vovô?” 
– É . “Pinta o rosto do vovô de palhaço, pinta”. 
– Vamos ter que pedir por favor. 
– E elas nada. E daqui a pouco são umas mulheres feitas... 
– A verdade é que ser avô dura muito pouco. 
– Muito. Temos que aproveitar o momento, que passa rápido. Aproveitar antes que desbote. 
– Como uma pintura na mão. 
– Isso. Olha, acho que aquele guichê ficou livre. 
– Vou lá. Muito prazer, viu? 
– Prazer. 
VERÍSSIMO, Luiz Fernando

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sobre a macro e a micro vida humana



Existem certos aspectos que são da vida comum. Teorias generalizadas como “desenhar uma pessoa sem chão significar insegurança” em um teste psicológico, por exemplo, funcionam para grande parte da população, mas não para o indivíduo. É como a física: observada em “níveis humanos” funciona como a teoria clássica, mas, de perto, o mundo quantizado é composto por partículas que se comportam de maneira um tanto estranha, como explica a física moderna. Pois acredito que o ser humano funciona semelhante, a não ser pelo fato de constituir uma ciência não exata e de não termos instrumentos propriamente ditos para trabalhar com a instável mente inorgânica, que depende do tempo, da época, do estado, do exterior, da alma e até do próprio orgânico. A mente trata do presente (da prática) de forma muito peculiar e complexa em relação a simples conjecturas que parecem mover naturalmente as relações humanas e individuais. O clássico é a cultura popular misturada com a psicoterapia barata e conselhos a lá “Sunscreen”. Algumas dessas mensagens generalizadas eu mesma aplico em algumas circunstâncias da vida, entretanto, não sei até quando sustentarei essa...impessoalidade. Enjoy your body. Use it every way you can. Don't be afraid of it or of what other people think of it. It's the greatest instrument you'll ever own”. Esse trecho dos conselhos experimentais para a “turma de 99” faz parte das concepções de macro vida. Pensar no corpo dessa forma é saudável, mas até que ponto? O que ele quis expor exatamente sobre “enjoy your body”? E se a pessoa usufruir demais de seus recursos corporais, será que ela saberá o devido valor desse “instrumento”? E se a criatura odiá-lo com todas as suas forças, como irá se aproveitar disso? Sem entrar nessa questão superficial de que basta aceitar-se, por que, sejamos sinceros, na atualidade, época do imediatismo e do rigoroso padrão de beleza imposto em tudo que é fonte de informação, como alcançar o nirvana se o teu próprio exterior te apavora? É claro que entendo que isso possa ser secundário na vida de muita gente (em parte, na minha também), mas o fato é que essa recomendação não serve para todas as pessoas e, talvez, não sirva (de fato) para ninguém - para nenhuma micro política pessoal -; mas, ainda sim, ela não deixa de parecer tão “certa”.
Quando presencio alguma discussão pesada em meu círculo social, sinto uma leve pontada no miocárdio. É a macro psicologia: “calma gente, é tudo uma questão de falta de diálogo, de impaciência, de não parar, pensar, ouvir, entender parte do contexto sociocultural de cada pessoa e, só então, encaixar tudo na tal situação específica. Por favor, não briguem, isso dói!”. Mas quem disse que esse insight me vem à cabeça quando eu é que estou discutindo? Muitas vezes, consigo contar até 10 e pensar em algumas coisas que não dizem respeito apenas a mim, porém, mesmo assim, não sinto a sensação no coração de que tudo está acontecendo da maneira mais injusta para ambas as partes, de que devo parar, de que aquilo não vai levar a lugar algum. E, às vezes, pergunto-me se isso é só uma questão de estado momentâneo de raiva, medo ou tristeza. Sinto em dizer, mas creio que não é só. Bem verdade, existem cousas que devem ser ditas, que ficam entaladas na garganta e precisam atingir o outro a qualquer custo; o nosso único erro é expressar essas opiniões no meio de um momento explosivo, quando nenhum dos dois consegue refletir apropriadamente. Entretanto, pode acontecer também de o “erro” ser proposital, de simplesmente não conseguirmos expor o que realmente pensamos em uma ocasião sóbria e, aí, definirmos mentalmente que “é agora ou nunca”. Boom.  

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Retweetando sem Twitter

"E essa é a condição principal do absurdo - obrigar uma consciência transcendente não convencida e ficar a serviço desse empreendimento imanente e limitado que é uma vida humana."
http://guess-i-am-outta-time.blogspot.com.br
Não sei de onde veio, amigo. But I love it.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Dual

Se até as pessoas próximas não fossem distantes
Teu miocárdio não aceleraria tuas reflexões
Mudando tua expressão no espelho da água
Enquanto estivéssemos aqui nesta banheira,
Com olhos concentrados, arrepiados.
Eu, não completamente nua
Embora apareça mais que um pássaro
E embora fosse dia nos países baixos
E noite sugestiva lá fora.
Quero tanto que limito o transparecer
Não consigo me libertar de segredos
Presos nas cordas vocais, cordas anímicas.
O tempo sempre escorre pelas escadas
E eu, nunca completamente nua
Mas tão tua.

Poema antigo,mas que traduz sentimentos.

Narrando estranhos

Ele levava uma vida digna. Para ser sincero, uma das vidas mais felizes que conheci, pois exercia da consciência plena do mundo exatamente como o era, cheio de minúcias problemáticas e degradação dos seres humanos, mas já tinha a sua modesta solução: a menina das tintas. Ela pintava tudo o que os olhos dele enxergavam, um universo inteiro na visão de uma jovem e sonhadora artista em pleno século XXI. Pintava suas bochechas quando queria ser índia e conhecer o passado que não lhe pertencia, pintava sua boca carnuda – se existem os olhos de ressaca da Capitu, a sua boca com certeza era a “boca de ressaca”: geralmente levemente molhada pela saliva e, quando seca, ficava vermelha e com aspecto assado, representando o inverno salgado depois das noites de verão -, pintava os dias de sol nas janelas e retratava como ninguém as suas melancolias em desenhos estilizados, com um toque de densidade e psicodelismo. Ela andava de calças largas, com os cabelos curtos bagunçados (quase sempre presos em um desconectado e apressado rabinho-de-cavalo), usava argolas pequenas de madeira escura nas orelhas e muitas pulseiras coloridas nos dois pulsos (sendo que todos os acessórios eram simplórios, provavelmente comprados no centro histórico da cidade, onde os indiozinhos, artesanalmente, moldavam a madeira e encaixavam as pedrinhas). Era naturalmente sexy, de um jeito difícil de explicar, já que o conceito de sexy tem se corrompido com o advento das panicats e das mulheres frutas. Mas o fato é que o olhar era leve e, ao mesmo tempo, intenso, a boca, grande demais para ser conservada estática, comumente encontrava-se semiaberta, sem que ela tivesse alguma intenção (só não queria lutar contra a gravidade o tempo inteiro), e então, os dentes brancos apareciam quase que por engano e observá-los era como estar recolhendo para si um segredo de alma.

segunda-feira, 2 de abril de 2012


"Durante a primeira metade da minha vida, fui minha própria criação. A partir de uma infância melancólica e isolada, moldei uma adulta vibrante e expansiva, com domínio superficial de uma dúzia de outras línguas, capaz de se aventurar pelas ruas desconhecidas de qualquer cidade estrangeira. Essa noção de que somos nossa própria obra de arte é muito norte-americana, como você se apressaria em ressaltar. Agora, minha perspectiva é europeia: sou um rol de histórias de outras pessoas, uma criatura das circunstâncias."
SHRIVER, Lionel. Precisamos Falar Sobre Kevin

sexta-feira, 30 de março de 2012

Paixão



A menina era um mix de colegial norte-americana e brasileira: cabelos mechados com loiro e compridos, calça de moletom cinza-pijama, um piercing de argola no nariz. Encostada na barra de metal que serve de repouso de bundas da parada de ônibus, com apenas uma das pernas em um ângulo de 90º, ela parecia normal. Do seu lado, um garoto contemporâneo: cabelinho de surfista com uma onda na franja sobre os olhos, roupinhas de marca e, talvez, um piercing na boca. Ele mexia na mochila que estava sobre a barra e ela, ao lado, olhando, nada desconfiada, com aquele riso casual que portamos nas fases leves da vida. De dentro do ônibus, eu observava sob os meus óculos redondos escuros, sem desviar e nem piscar os olhos: não sei por quê, eu estava curiosa naquele par de jovens tão comuns. Ele retirou, depois de procurar por algum tempo na mochila - provavelmente toda bagunçada, cheia de lições de casa amassadas e cadernos sujos -, uma sacola plástica de uma marca de bijuterias. Eu sorri. Ela ficou com uma expressão faceira de surpresa: a boca bem aberta, com um sorriso aparente nos cantinhos, os olhos admirados. Até nisso, percebia-se a juventude: a despreocupação da surpresa, o descompromisso com os movimentos; como quando desenhamos detalhes exagerados na face de personagens, ressaltando as sobrancelhas, o formato dos olhos, a posição das mãos, só para não permitir a dúvida da expressão que queríamos demonstrar. Bom, não havia dúvidas: ele conseguiu impressioná-la. De dentro da sacola, ele pegou um pacotinho de embalagem dourada e entregou pra ela. Aí, o trânsito da Assis Brasil, finalmente (mas não felizmente), fluiu.

terça-feira, 20 de março de 2012

Naturalmente, o homem é caridoso. Dá de comer ao faminto, veste o maltrapilho. Mas a sua alma é que sofre fome e anda nua.

WILDE, Oscar

sábado, 17 de março de 2012

Cadê o tempo?

Fiquei pensando, onde anda o tempo hoje em dia? Ninguém mais consegue ser Leonardo da Vinci ou Marilyn Monroe. Não dá tempo de morrer jovem e ainda ser tudo isso!
Hipóteses:
1. A internet retira 1/3 de nossas vidas a partir da adolescência. Assim temos apenas 2/3 de vida para concluir atividades como leitura, pinturas e, enfim, viver de verdade.
2. O The Sims e outros jogos de videogames ou computadores fazem o papel da internet para certas pessoas (eu? haha)
3. Os homens, que antigamente eram considerados mais geniais que as mulheres, utilizam a partir de 1/10 de suas vidas dedicados ao futebol (no caso do brasileiro) e outros esportes.
4. A mulher, que antes já não era considerada inteligente, hoje realmente não tem tempo para isso em função das habituais exigências do mercado de trabalho e da sociedade ao impor um determinado padrão de beleza - imagine quantos dias, somadas as horas que ficamos nos depilando, fazendo modificações químicas no cabelo e pintando as unhas, dariam? Praticamente 1/10 da vida!
5. O mundo tinha bem menos gente. Partindo desse fato, creio que menos tempo se gastava preso num trânsito de carros infernal ao deslocar-se nas grandes cidades e menos era o mercado consumidor - portanto, mesmo sem a ajuda de máquinas, a demanda era menor e o alfaiate, por exemplo, podia praticar arte em suas peças únicas (menos eram as especializações também). Aliás, quase tudo era único, poucas cópias assumiam o lugar dos originais e tudo era "novo" no mundo "velho".
6. Tinha-se menos meios de chegar à informação, então, ao invés de viver consumindo conteúdos de tudo que é canto do mundo, a pessoa tinha tempo para se dedicar ao próprio pensamento, sem viver ansiosa por saber tudo além do que lhe era possível ou fazia parte de seu próprio raciocínio.
7. Dava-se o devido valor e incentivo às grandes teorias, descobertas e criatividade. Afinal, ainda não existia tanta coisa no mundo mesmo.
8, 9, 10, 11.....São tantas as desculpas de uma mente improdutiva.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Uma pequena análise sobre "O Clone"

Hoje é dia 2 de março de 2011. Acabei de ver mais um capítulo da melhor novela que já assisti: O Clone (que “vale a pena ver de novo”). Agora eu vejo o quanto o roteiro é complexo e que o final pode até ser previsível em relação aos protagonistas que se amam, mas o enredo é essencial na composição das personagens (coisa que deixa a desejar em quase todas as novelas, já que as personagens, geralmente, são estereótipos jogados num conto de fadas moderno). A cultura não é só plano de fundo da trama, pois nota-se que as personagens estão inseridas de tal maneira nesse contexto, que vivem com humanidade e razão até o que é considerado absurdo aqui no ocidente. Sem falar que não existem maniqueísmos e até a mocinha é considerada promíscua e, por vezes, errada por seguir à risca seus sentimentos, sem pensar em outra coisa que não seja a sua felicidade. Não existe o elenco secundário e todas as personalidades são abordadas com intensidade, desde a angustiada Zoraide até o próprio clone -será que ele tem a mesma alma do Lucas?. Ah, e o Lucas chora quando pensa na Jade. Essa novela me faz pensar muito, inclusive nos costumes dos muçulmanos que são mostrados com uma linha de raciocínio não tão lógica, mas muito correta, bonita. Existem muitas lições que podem ser tiradas dessas crenças. A mulher ter que ficar bonita em casa para o marido é uma obrigação um tanto machista, mas estranhos somos nós, que queremos é nos arrumar para o mundo e não só para quem amamos – existe aí uma superficialidade que pode ser encarada como uma maneira de dar valor ao que se tem. Os casamentos arranjados dão a oportunidade dos corações solitários aprenderem a amar, contanto que ambos sigam o costume de manter a harmonia dentro da casa e sempre se respeitarem. Existem coisas que, de fato, são cruéis para quem crê, mas não se pode ser radical ao analisar uma sociedade dessas já que “whatever works”.

quarta-feira, 7 de março de 2012

"O tempo se despega de mim como se estivesse trocando de pele."
SHRIVER, Lionel. Precisamos Falar sobre Kevin

Não entendi muito bem essa frase no contexto em que ela foi empregada no livro, porém, quando a li, simplesmente simpatizei com a relação da troca de pele com a "troca de tempo". Nunca tinha pensado nessa comparação figurativa.
Bem verdade, trocamos de pele o tempo todo, já que, apenas no banho, grande parte das células mortas da nossa epiderme são liberadas na limpeza - e, no resto do tempo, estamos sempre em constantes renovações de membranas plasmáticas e etc. Então, talvez o tempo se desapegue dela em "tempo" integral, fazendo com que a sua concepção (sobre o tempo não passar) se alongue durante a sua existência...

Fragmentos II

“A única coisa que pude fazer por eles foi mantê-los debaixo do terror de minha régua de madeira para que pelo menos levassem a lembrança do meu poema favorito: Estes, Fábio, ó dor, que vês agora, campos de solidão, desolados outeiros, foram noutro tempo a Itálica famosa. Só depois de velho fiquei sabendo, e por casualidade, do apelido malvado que os alunos me puseram pelas costas: Professor Desolado Outeiro.”

“Aos quarenta e dois anos havia acudido ao médico por causa de uma dor nas costas que me estorvava para respirar. Ele não deu importância: É uma dor natural da sua idade, falou.

-Então – disse eu -, o que não é natural é a minha idade.”

GARCÍA MARQUES, Gabriel. Memória de minhas putas tristes